O advogado e especialista em Previdência Social, Rômulo Saraiva, fez duras críticas ao pacote de cortes de gastos anunciado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Segundo ele, as medidas penalizam os mais pobres e vulneráveis, jogando sobre eles a responsabilidade de arcar com os custos da má gestão e dos gastos excessivos do governo federal. Em uma coluna publicada no jornal Folha de S.Paulo, Saraiva analisou o impacto das novas medidas e alertou para os prejuízos que podem ser causados às populações mais necessitadas, especialmente aos beneficiários do Benefício de Prestação Continuada (BPC).
O especialista destacou que, apesar de o Brasil alcançar uma arrecadação de mais de R$ 3 trilhões em 2023, o governo enfrenta um déficit de R$ 105,2 bilhões nas contas públicas. Para lidar com esse cenário, o presidente Lula e sua equipe econômica optaram por medidas que afetam diretamente os programas sociais, ignorando alternativas que poderiam distribuir melhor o peso da austeridade fiscal. Saraiva classificou essa abordagem como um "ataque ao tecido social mais vulnerável", prejudicando pessoas que dependem de programas de assistência para sobreviver.
Entre os pontos mais criticados do pacote está a mudança nas regras do BPC, que garante um salário mínimo mensal para idosos a partir de 65 anos e pessoas com deficiência que não possuem meios de sustento. Segundo Saraiva, o governo planeja ampliar o conceito de "família" utilizado para determinar a elegibilidade ao benefício. Com essa ampliação, será possível incluir rendas de parentes distantes ou que nem mesmo coabitam com o beneficiário, dificultando a concessão do auxílio. Essa estratégia, de acordo com o advogado, pode levar à exclusão de milhares de pessoas que dependem do benefício para sobreviver.
Atualmente, o cálculo da renda familiar para concessão do BPC considera apenas os membros que vivem sob o mesmo teto. A proposta do governo, no entanto, inclui a renda de cônjuges ou companheiros que não residam na mesma casa, assim como a de irmãos, filhos e enteados, independentemente de serem solteiros ou de morarem com o solicitante. Para Saraiva, isso abre caminho para uma série de negativas do INSS, que passará a justificar os cortes com base na nova interpretação. Além disso, o projeto elimina a exclusão do cálculo da renda de um salário mínimo recebido por outro idoso ou pessoa com deficiência na mesma família, o que pode inviabilizar o acesso ao BPC para muitos beneficiários.
Rômulo Saraiva também chamou atenção para os impactos dessas mudanças sobre o Estatuto do Idoso e o Estatuto da Pessoa com Deficiência (PCD). Ele explicou que a nova regra permite que, por exemplo, a aposentadoria mínima de um marido idoso seja suficiente para negar o BPC à sua esposa. Crianças e adolescentes com deficiência severa também podem ser afetados, perdendo o direito ao benefício devido à inclusão de rendas familiares que, na prática, não estão disponíveis para seu sustento. Para o especialista, o governo está desconsiderando a função social desses benefícios ao adotar critérios que penalizam ainda mais aqueles que já enfrentam dificuldades extremas.
Outra crítica contundente foi dirigida ao que Saraiva chamou de "retrocesso ao conceito de deficiência de 1993". Segundo ele, o governo está retomando uma definição ultrapassada, que exige que a deficiência cause incapacidade total para a vida independente e o trabalho. Essa abordagem, segundo o especialista, é excludente e ignora os avanços das últimas décadas na garantia de direitos às pessoas com deficiência. Para Saraiva, a medida reforça um ciclo de exclusão e desigualdade, em que os mais pobres e vulneráveis são obrigados a pagar a conta da austeridade fiscal.
O advogado também comparou o tratamento dado às classes sociais mais pobres com os gastos excessivos destinados a setores mais abastados. Segundo ele, o governo continua cometendo excessos nos gastos com as camadas mais ricas da sociedade, enquanto escolhe a população mais vulnerável como alvo prioritário de cortes e ajustes. Saraiva encerrou suas críticas com uma reflexão sobre as escolhas políticas e econômicas do governo. Para ele, o pacote de cortes anunciado por Haddad não é apenas um erro técnico, mas uma decisão política que revela a falta de compromisso com os mais pobres e vulneráveis.
O impacto das mudanças no BPC e em outros programas sociais ainda depende da implementação prática das medidas, mas a reação inicial de especialistas, defensores de direitos sociais e organizações da sociedade civil já aponta para um cenário de agravamento da desigualdade e aumento da pobreza no país. O governo, por sua vez, tenta justificar os cortes como uma medida necessária para alcançar o equilíbrio fiscal e cumprir metas de responsabilidade econômica. No entanto, a escolha de concentrar os esforços de contenção nas camadas mais vulneráveis da sociedade tem gerado forte reação e poderá comprometer ainda mais a confiança da população no governo federal.