Saúde gasta R$ 457 milhões com remédio que deveria estar no SUS

Cassia Marinho
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Entre 2023 e 2024, o Ministério da Saúde do Brasil gastou R$ 457 milhões com o medicamento Zolgensma, essencial para o tratamento da Atrofia Muscular Espinhal (AME) tipo I, mas que ainda não está disponível no Sistema Único de Saúde (SUS). Apesar da previsão de incorporação ao SUS desde junho de 2023, a terapia permanece inacessível para a maioria dos pacientes, o que tem levado muitas famílias a recorrerem à Justiça para obter o remédio.


O Zolgensma é um tratamento inovador, aprovado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), indicado para crianças de até dois anos de idade. Ele é considerado uma terapia gênica revolucionária, pois corrige diretamente o DNA e cria uma cópia funcional do gene defeituoso, oferecendo uma abordagem única para a AME tipo I. Contudo, seu elevado custo é um dos principais desafios para sua inclusão na rede pública. Atualmente, o preço de cada dose gira em torno de R$ 6 milhões, tornando-o um dos medicamentos mais caros do mundo.


A ausência do Zolgensma no SUS tem pressionado famílias a buscar o medicamento através de ações judiciais. Em 2023, o governo federal desembolsou R$ 305 milhões em 64 processos judiciais distribuídos por 12 estados e o Distrito Federal. Já em 2024, o gasto chegou a R$ 152 milhões, envolvendo 41 processos em nove estados e na capital federal, que concentra o maior número de pedidos. Esses números refletem não apenas o impacto financeiro para o governo, mas também a angústia de pais que lutam contra o tempo para garantir o tratamento antes que seus filhos completem dois anos.


Segundo dados do Instituto Nacional da Atrofia Muscular Espinhal (Iname), o Brasil possui 1.795 pacientes diagnosticados com AME. Desses, 75 estão na faixa etária até dois anos, a única em que o Zolgensma pode ser administrado. Essa limitação de idade e a demora na incorporação ao SUS agravam ainda mais a situação das famílias que necessitam do medicamento.


A negociação entre o Ministério da Saúde e a fabricante Novartis para a inclusão do Zolgensma no SUS segue em curso, mas ainda sem desfecho. Representantes das duas partes se reuniram em novembro e dezembro de 2024 para discutir um acordo de compartilhamento de risco, estratégia que poderia viabilizar a disponibilização do medicamento no sistema público. Apesar das conversas, o impasse persiste, principalmente devido ao alto custo envolvido.


O cenário dos medicamentos de alto custo no Brasil não é inédito, mas o caso do Zolgensma chama a atenção pela magnitude dos gastos. Entre as terapias gênicas aprovadas pela Anvisa, ele é responsável pelo maior desembolso governamental, superando em 44 vezes o gasto com o Kymriah, utilizado no tratamento de cânceres no sangue, que custou R$ 10,3 milhões no período. O Luxturna, indicado para distrofia hereditária da retina, ocupa o terceiro lugar, com R$ 4,6 milhões. Esses números evidenciam o impacto financeiro dessas tecnologias de ponta para os cofres públicos.


Enquanto isso, a ausência do Zolgensma no SUS levanta debates sobre a acessibilidade e a equidade no sistema público de saúde. Para muitos especialistas, o caso expõe a fragilidade do Brasil em incorporar terapias avançadas que, embora caras, podem trazer benefícios significativos para os pacientes e suas famílias. Além disso, a judicialização da saúde, comum em casos de medicamentos de alto custo, sobrecarrega o sistema judiciário e aumenta os gastos do governo, que precisa arcar com os valores definidos em decisões judiciais.


As famílias afetadas pela AME enfrentam não apenas a batalha contra a doença, mas também a incerteza sobre o acesso ao único tratamento capaz de alterar o curso da enfermidade. Em muitos casos, campanhas de arrecadação de fundos e doações de terceiros se tornam alternativas desesperadas para viabilizar o tratamento. O tempo, no entanto, é um fator decisivo, e a demora no acesso ao Zolgensma compromete a eficácia da terapia para as crianças que envelhecem além da idade permitida.


O impasse em torno do Zolgensma reflete um dilema mais amplo enfrentado pelos sistemas de saúde ao redor do mundo: como equilibrar a incorporação de tecnologias inovadoras com a sustentabilidade financeira. No Brasil, a inclusão do medicamento no SUS seria um marco importante para garantir o direito à saúde dos pacientes com AME. No entanto, sem uma solução viável para o alto custo, o acesso permanece restrito, deixando famílias e governo em uma situação de constante tensão.


O futuro do Zolgensma no SUS ainda é incerto, mas as negociações entre o Ministério da Saúde e a Novartis oferecem uma esperança. Para as famílias afetadas, cada dia de espera é um dia a menos na luta pela vida de seus filhos. O desfecho dessa história será determinante não apenas para os pacientes de AME, mas também para o debate sobre o acesso equitativo a medicamentos de ponta no Brasil.

 

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